segunda-feira, 20 de agosto de 2007

O sururu da grande lagoa mãe - Theresa Siqueira

O SURURU DA GRANDE LAGOA MÃE –
Entre o nutritivo e o cultural - O Patrimônio das Alagoas, em defesa da soberania e da cultura alimentar.
Por Theresa Siqueira

Mundaú Lagoa Grande Bebedouro,
de muitas bocas o sustento
de tantas vidas o prazer.
Mesmo tendo suas forças sugadas pela poluição
como mãe nunca se entrega, faz da lama nascer o sururu...”


Percorro a orla da grande Lagoa Mundaú, e vejo os sururus ainda no capote, aos montes para a catação. Nas calçadas, homens, mulheres, crianças, todos envolvidos nesse processo. Gentes-sururus, que como a Lagoa, resiste e enfrenta esse caos, essa poluição. Nesse trajeto, penso no Manifesto Sururu escrito por Edson Bezerra , manifesto-grito que faz ecoar esse movimento de resistência.
Penso e reflito sobre as mulheres que moram na beira da lagoa. Essas mulheres que vejo na catação, e tantas outras que moram no Brejo do Passarinho, que moram nas favelas e, também aquelas que residem nos Conjuntos Virgem dos Pobres I, II e III.. Há um tempo atrás, em 2003 orientamos alguns Trabalhos de Conclusão de Curso de Nutrição que tinham como objetivo conhecer os saberes e as práticas alimentares das mulheres (gestantes, puerperas, nutrizes) moradoras do Conjunto Virgem dos Pobres III. E o que sobressaiu nas falas dessas mulheres foram os alimentos industrializados, as sardinhas enlatadas, os macarrões instantâneos da moda “nissin miojo”, o pão, a carne de charque, os refrigerantes de cola entre outros . (CARVALHO,2004; FERRO,2004) E nada do Sururu. O Sururu não aparecia em nenhuma das falas. Alimento este, nutritivo, protéico, rico em cálcio , fósforo etc. Alimento este tão próximo e tão distante.
O Olhar sobre o Sururu nos leva a refletir sobre a soberania alimentar e o resgate da cultura alimentar. Segundo o Conselho de Segurança alimentar e Nutricional CONSEA a cultura alimentar faz parte de nosso patrimônio. Há muitos fatores associados a desvalorização de nossos alimentos regionais. De acordo com a II Conferência de SAN a cultura alimentar deve ser valorizada, partindo do resgate de hábitos alimentares, produtos e espécies historicamente inseridos nos sistemas alimentares locais/regionais. Sendo necessário para isso, o estimulo às iniciativas interdisciplinares de pesquisa e a promoção de estudos que favoreçam a identificação e conhecimento das culturas alimentares das diversas regiões e etnias. “A escolha dos alimentos, sua preparação e consumo estão relacionados com identidade cultural – são fatores desenvolvidos ao longo do tempo, que distinguem um grupo social de outro e que estão intimamente relacionados com a história, o ambiente e as exigências especificas impostas ao grupo social pela vida do dia-a-dia”. (CONSEA,2004)
No que diz respeito a soberania alimentar, o documento do CONSEA define que esta condição só se efetivará quando ocorrer uma liberdade para que os povos decidam o que será produzido, como será a produção e o que e como será consumido, respeitando a cultura alimentar. De acordo com o documento citado acima, “A cultura alimentar é um patrimônio valioso que precisa ser preservado. Para isso, um primeiro passo é criar as condições para que a sociedade conheça sua história agrícola e alimentar, valorizando esse patrimônio enquanto tal.”(CONSEA, 2004)
Reflito também sobre as pesquisas acadêmicas sobre o valor nutritivo do Mytella Falcata ou Mytella Charruana., popularmente conhecido como Sururu. Parece que essas pesquisas ainda estão bem distantes das comunidades-sururus. Precisamos popularizar o conhecimento cientifico, para quê ciência se ela não é popularizada, democratizada. Se as classes populares que vivem desse molusco mal sabem dos estudos científicos sobre ele. Não têm acesso a tais estudos.
E o Manifesto nos faz refletir sobre isso, conclamar todos para o debate sobre o patrimônio alimentar que temos na nossa grande Lagoa Mãe.
Por fim, volto ao meu percurso inicial da Orla Lagunar Mundaú, e lembro do Cais da Levada . Lembro de que quando criança acompanhada de meu pai, atravessávamos a lagoa em direção a Coqueiro Seco. E reflito junto com o personagem do livro Calunga de Jorge de Lima:
Nesse tempo longe, ainda não tinha olhos capazes de ver o que vinha vendo agora, ao voltar as coisas e a ao povo da infância, ao começo da vida, que era como uma terra em começo... (LIMA, 1943)

E nessa terra em começo, vamos ao Manifesto que,
“quer muito pouco. Quem sabe um pouco mais do que exercitar um certo olhar: um olhar atento por sobre as coisas alagoanas. O manifesto sururu não quer apostar e nem pousar em outras imagens. O que ele procura é exercitar olhos e sentidos por sobre (e dentre) antigas e permanentes imagens das coisas alagoanas...” (BEZERRA, 2004)


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA:


BEZERRA, E. Manifesto Sururu. Maceió, 2004. (mimeo).

BRASIL 2003 Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
CARVALHO, RR 2004 - Saberes e práticas alimentares de gestantes cadastradas na equipe de saúde da família da comunidade Virgem dos Pobres III - Maceió Alagoas – Trabalho de Conclusão de Curso de Nutrição da Universidade Federal de Alagoas.
FERRO L. M. T. 2004 - Saberes e práticas alimentares de puérperas cadastradas na equipe de saúde da família da comunidade Virgem dos Pobres III - Maceió Alagoas - - Trabalho de Conclusão do Curso de Nutrição da Universidade Federal de Alagoas
LIMA, J. 1943. Calunga. 2º edição. Alba Editora . Rio de Janeiro.

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