terça-feira, 24 de julho de 2007
Ranilson França: Um mestre guerreiro no meio de tantos mestres
No meu blog anterior, perdido no espaço virtual, tinha uma homenagem ao Ranilson França.
Falecido em agosto do ano passado e um grande incentivador da cultura popular alagoana.
Segue trechos de uma entrevista dele feita pelo Jornalista Lelo Macena publicada na Gazeta de Alagoas em 2005.
Página Verde
26/07/2005
Falecido em agosto do ano passado e um grande incentivador da cultura popular alagoana.
Segue trechos de uma entrevista dele feita pelo Jornalista Lelo Macena publicada na Gazeta de Alagoas em 2005.
Página Verde
26/07/2005
"Digo que Alagoas é um estado privilegiado"
DISCÍPULO DE THÉO BRANDÃO E ALOÍSIO VILELA, O PROFESSOR RANILSON FRANÇA NÃO CANSA DE AFIRMAR: NOSSO ESTADO POSSUI A MAIOR DIVERSIDADE DE FOLGUEDOS DO PAÍS
LELO MACENA
Repórter
Determinado a conferir in loco as manifestações de nossa cultura popular, o professor Ranilson França chegou a bater três vezes o motor de seu Fusca a álcool, fiel companheiro de viagem.
Determinado a conferir in loco as manifestações de nossa cultura popular, o professor Ranilson França chegou a bater três vezes o motor de seu Fusca a álcool, fiel companheiro de viagem.
Empreitadas desse tipo lhe renderam um acervo considerável de fitas e um conhecimento profundo acerca das potencialidades e dos problemas que afetam diretamente o imaginário do povo alagoano.
Herdeiro de uma das mais reconhecidas escolas de pesquisa da cultura popular - onde constam nomes como Aloísio Vilela, Théo Brandão, Manuel Diégues Júnior, José Pimentel Amorim, José Maria de Melo, Félix Lima Júnior, José Maria Tenório Rocha e Pedro Teixeira, com muitos dos quais conviveu -, Ranilson França soube como poucos compreender a riqueza do processo criativo que nasce no seio das comunidades.
Atual presidente da Comissão Alagoana de Folclore (criada por Théo Brandão em 1948), presidente da Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (Asfopal), coordenador de Ação Cultural da Secretaria Estadual de Educação e assessor de assuntos estudantis e comunitários do Cesmac, o incansável Ranilson se divide em mil para manter viva a cultura alagoana.
Em entrevista à Gazeta, ele fala de sua paixão pelos folguedos alagoanos, lembra da amizade com Théo Brandão e aponta soluções - em sua avaliação, simples - para alguns dos problemas que atingem nossos grupos folclóricos.
Gazeta - Que folclore é esse no qual o senhor acredita e pelo qual tem trabalhado tanto?
Ranilson França - Folclore é cultura viva. Quando falo do folclore alagoano, não falo com saudosismo. Falo das manifestações atuais, com todas as influências que elas têm. Folclore não quer dizer coisa velha, antiga. A dinamicidade é que permite a sobrevivência. Mesmo com toda a globalização, os guerreiros, os pastoris e os reisados sobrevivem nas periferias. É isso o que a gente acredita que seja o folclore, uma coisa presente e dinâmica. Hoje dificilmente você vai encontrar um guerreiro no qual a sanfona não seja eletrificada. Todos os grupos estão aderindo aos elementos contemporâneos. É a cultura viva do povo que nós não podemos deixar de reconhecer.
Como surgiu essa sua paixão pelas manifestações populares de Alagoas?
Tendo sido menino pobre na Chã do Pilar, onde me criei cercado por todas essas manifestações. Na época eu não sabia o que era folclore, mas já participava. Não havia luz elétrica nem água encanada. Isso tudo já era pretexto para acontecer alguma coisa. Cresci vendo as novenas de Santo Antônio e os terços do mês de maio, que eram rezados na casa da minha tia, ainda viva e com 95 anos. Apaixonei-me vendo desde criança os folguedos natalinos na casa de meu avô, os cantadores de cordel que, enquanto faziam cangalhas, cantavam a História do Pavão Misterioso e O Romance da Donzela Teodora, que são grandes clássicos da literatura de cordel.
Quando o sr. começou a pesquisar a cultura popular?
Eu vim estudar no Colégio Guido, com o pe. Teófanes de Barros, e começamos a trazer essas questões para o colégio. Na época, ao lado do jornalista Rosivan Vanderley, nós fundamos o Museu de Folclore Manoel Neném. Também tive o prazer de conhecer o professor Théo Brandão, não como meu professor, mas já aposentado da Universidade [Federal de Alagoas]. A gente se reunia para conversar sobre essas coisas e eu descobri nele um mestre que gostava de transmitir seus conhecimentos. Ele me incentivou muito e hoje ainda guardo com muito carinho a edição número 1 do Dicionário do Folclore Brasileiro do professor Luís da Câmara Cascudo, que o autografou para ele e para mim. Também tive contato com Aloísio Vilela, José Maria Tenório Rocha e com o professor Pedro Teixeira. Devo minha formação a esses grandes nomes.
Como o sr. avalia a cultura popular alagoana hoje?
Levando em conta o fato de que nós vivemos num País globalizado, em que a tendência é descolorir a cultura, digo que Alagoas é um estado privilegiado. Mesmo o Brasil não tendo uma política para o folclore, nosso estado ainda consegue manter a maior diversificação de folguedos do País. Hoje, no mapa de Alagoas, esses grupos estão bem definidos.Quais os principais problemas dos grupos de folguedos alagoanos atualmente?Nós identificamos alguns pontos fundamentais para a preservação desses grupos: o primeiro é a necessidade de uma sede. Eles precisam de espaço físico. Não precisa ser nada sofisticado, mas um lugar simples, onde eles possam ensaiar e se organizar. O segundo ponto é a constituição de um calendário como elemento motivador. Você vai ensaiar sabendo que terá um número de apresentações durante o ano. O terceiro ponto é a ajuda de custo para a compra de material. Seria um grande passo na direção da preservação dos nossos folguedos.
O que o poder público tem feito efetivamente pela preservação de nossas manifestações populares?
Existem tentativas de soluções para nossos problemas, mas ainda são coisas embrionárias. Às vezes, em vez de ajudar, o poder público contribui para o desaparecimento dos grupos folclóricos. Eu gostaria que a Prefeitura de Maceió pudesse pegar esse mote dos festejos natalinos e fazer uma grande festa de Natal, com grupos como pastoril, reisado e chegança. Preencheria uma lacuna no calendário de eventos da cidade e abriria espaço para os nossos grupos, que ensaiam tanto mas não têm onde se apresentar.Grande parte dos nossos mestres de folguedos vive de salário mínimo, o que torna difícil a manutenção de seus folguedos. Como o sr. vê essa realidade?
Houve uma transformação na dinâmica sociocultural. Antigamente esses grupos folclóricos eram montados primeiro nos engenhos. Depois, eles passaram para uma fase em que aparecia um “patrocinador”, como é o caso da Joana Gajuru, que investia seus recursos nos folguedos. Os que tinham um dinheirinho a mais sempre aglutinavam em torno de si a questão do guerreiro. Mas essa figura desapareceu. Por outro lado, é aí que aparece o aspecto ritualístico. Todos os que participam dos guerreiros, reisados e pastoris encaram a dança como um ritual, um compromisso. Mesmo ganhando pouco, deixam de comprar uma caçarola ou uma panela para comprar a fita do guerreiro. Outro dia eu encontrei a dona Maria Flor e ela vinha com um manto de cinco metros para o guerreiro dela: ‘Seu Ranilson, peguei meu décimo terceiro e comprei’. É uma coisa meio milagrosa. Eles sempre vão dar um jeito de cumprir com o compromisso. Só vão parar de dançar quando morrerem.
Como garantir a continuidade dos folguedos depois que esses mestres, muitos já octogenários, desaparecerem?
Nós sabemos que todo o ser humano um dia vai ter que partir para outro mundo. Ano passado, tivemos várias perdas: Maria do Carmo, Virgínia Moraes e Mário Izaldino. A juventude precisa ter maior acesso à cultura popular, que precisa chegar às escolas e à imprensa, jornal, rádio e televisão. Outro lado importante e que caracteriza também o folclore é a passagem da tradição via oralidade. A Mestra Hilda, que tem 84 anos, tem bisnetos dançando em seu pagode. O Mestre Venâncio, com 83, também tem um filho dançando. E temos o Verdelinho, que montou um grupo com filhos e netos. Mesmo assim, são necessárias políticas públicas que garantam essa continuidade.
Como o sr. vê a "Lei dos Mestres", que garante uma bolsa de R$ 500 para nove mestres da cultura alagoana?
É uma iniciativa muito importante. Serão apenas nove mestres contemplados na primeira etapa, mas acreditamos que é um bom começo. No início, a Asfopal questionou alguns pontos, como a forma pela qual se daria a escolha desses mestres. Mas, após algumas alterações no edital, e com a escolha da comissão designada para escolher os contemplados, tudo foi resolvido e a iniciativa só vem beneficiar nossa cultura.
Em Alagoas já existem projetos desse tipo?
A Secretaria Estadual de Educação, por meio da Coordenação de Ação Cultural, faz um trabalho que leva os mestres para as salas de aula. Hoje são várias oficinas espalhadas pelo Estado. Temos o Eduardo, um mestre de guerreiro antigo que dá aula nas escolas de Penedo. Temos o Jota do Pife também passando seus conhecimentos, mas ainda é muito pouco. As escolas particulares precisam se engajar. Não bastam somente atividades esporádicas. O turismo de Alagoas poderia também divulgar nossas manifestações. Os folguedos alagoanos são totalmente desprezados pelo trade turístico. É preciso dar oportunidade para o turista conhecer nosso folclore.
O Engenho de Folguedos, realizado toda quinta-feira, no Museu Théo Brandão, seria um bom espaço para isso?
Pois é. Mas você não vê um turista lá. O pessoal que cuida disso ignora completamente. O Engenho de Folguedos é um projeto vitorioso. Nasceu dessa necessidade que os grupos têm de se apresentar e mostrou nosso potencial. É um projeto que uniu o útil ao agradável. E eu aproveito para convidar as pessoas que quiserem conhecer um pouco mais da nossa cultura a irem lá.Há alguns meses nós perdemos um dos maiores compositores de forró de Alagoas: Florisval Ferreira morreu no anonimato.
É esse o final reservado à gente do povo que produz cultura?
Infelizmente, o Brasil não tem memória. Até o grande Luiz Gonzaga teve dificuldade no final da vida. Em Alagoas, vários foram esquecidos: Jacinto Silva faleceu e ninguém deu uma palavra. Florisval Ferreira foi um artista que teve músicas gravadas por Jackson do Pandeiro e Trio Nordestino, mas morreu no anonimato. Rodolfo Cavalcanti, alagoano de Rio Largo, um dos maiores cordelistas do Brasil, que ninguém conhece por aqui, está sendo homenageado na França. São esses artistas que nós precisamos valorizar enquanto ainda estão vivos, para não caírem no esquecimento.
Em que pé se encontra o projeto que construiria uma vila com casas para os mestres dos folguedos de Alagoas?
O projeto está pronto há oito anos, desde a gestão da ex-prefeita Kátia Born. Por motivos burocráticos ainda não saiu. A idéia é criar uma vila com 50 pequenas casas para os mestres. O terreno já foi doado pela prefeitura. Fica no Tabuleiro e nele seria construída uma sede para a realização de oficinas ministradas pelos mestres. É um sonho para mim, mas possível de realizar. Basta boa vontade do poder público.###
QUEM É
Nome: Ranilson França
Idade: 61 anos
Profissão: professor e pesquisador
Cargo: presidente da Comissão Alagoana de Folclore e da Associação dos Folguedos Populares de Alagoas
Cargo: presidente da Comissão Alagoana de Folclore e da Associação dos Folguedos Populares de Alagoas
Dona Hilda do Côco de Roda Alagoano
A foto foi tirada por mim. Em uma apresentação do folcore alagoano no SESC Guaxuma em 2004
Mestre Hilda, na sua atividade como Mestra e Coordenadora do Pagode Comigo Ninguém Pode e as Baianas Vencedoras.
Bebedouro - Maceió/AL
Bebedouro - Maceió/AL
como tantos outros mestres da cultura popular faz parte do Patrimonio Alagoano.
A figura feminina na resistência popular alagoana...
Um patrimônio alagoano
Junho é tempo de festa no Nordeste. No agreste e sertão de Alagoas, moradores preservam uma tradição de trezentos anos: o coco de roda.
O coco de roda surgiu numa época em que as famílias faziam mutirões pra construir casas de madeira e barro pisado. A dança garantia diversão a noite toda e reboco de boa qualidade.
Os mutirões acabaram, mas a pisada dessa gente simples do sertão continua fazendo da dança, um símbolo de resistência das tradições.
Depois da quadrilha, o coco de roda é um dos folguedos juninos mais comuns em Alagoas. São três séculos de tradição, reunindo a experiência dos mais velhos com o interesse dos jovens pela cultura popular do Nordeste.
Seu Nelson Rosa tinha dez anos quando começou na brincadeira. “Agradeço a Deus por continuar mostrando essa tradição”.
Matéria publicada no site http://jg.globo.com/JGlobo/0,19125,VTJ0-2742-20050620-98931,00.html
O coco de roda surgiu numa época em que as famílias faziam mutirões pra construir casas de madeira e barro pisado. A dança garantia diversão a noite toda e reboco de boa qualidade.
Os mutirões acabaram, mas a pisada dessa gente simples do sertão continua fazendo da dança, um símbolo de resistência das tradições.
Depois da quadrilha, o coco de roda é um dos folguedos juninos mais comuns em Alagoas. São três séculos de tradição, reunindo a experiência dos mais velhos com o interesse dos jovens pela cultura popular do Nordeste.
Seu Nelson Rosa tinha dez anos quando começou na brincadeira. “Agradeço a Deus por continuar mostrando essa tradição”.
Matéria publicada no site http://jg.globo.com/JGlobo/0,19125,VTJ0-2742-20050620-98931,00.html
O retorno da flor
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